Le Sei de Ia terre
Ir. Pierre-Marie, O. P.
Propomo-nos analisar, resumidamente, os dois capítulos mais
propriamente filosóficos do livro de João Paulo II. Entrai
na EsperançaV Trata-se dos dois capítulos nos quais o A. aborda a
questão da existência de Deus. Mostraremos, com este exemplo preciso que o Papa
se inspira na filosofia moderna, idealista e fenomenológica, e ignora, em
grande parte, o pensamento de Sto. Tomás de Aquino, mesmo quando o cita de bom
grado. A respeito da formação filosófica do Papa, remetemos nossos leitores ao
estudo publicado no n° 2 desta revista, p. 117 ss, sob o título “Novidades de
Roma”. Quanto à questão da demonstração da existência de Deus, remetemos aos
dois artigos já publicados, sobre “Deus, sua existência e sua natureza”, nos n-
8 e 12.
O jornalista propõe ao Papa esta questão:
Com certeza, a fé é um dom, uma graça divina.
Mas, a razão também é um dom de Deus. Como ensinaram os santos e os doutores da
Igreja, desde sempre, o cristão “crê para compreender”. Mas, também é chamado a
“compreender para crer”.
Comecemos pelo começo. Santidade, sem sair, se
for possível pelo menos um instante, de uma perspectiva humana, o homem pode
chegar à certeza de que Deus existe, verdadeiramente, e, se assim for, como?
Eis aqui como o Papa começa sua resposta:
Sua questão visa, em última análise, à distinção
estabelecida, por Blaise Pascal, entre o Absoluto, isto é, o Deus dos filósofos (por ele chamados de “libertinos” e “racionalistas”),
e o Deus de Jesus Cristo (e, antes deste, o Deus dos patriarcas, de Abraão a
Moisés).
Este, somente, é o único Deus vivo. O primeiro não passa de produto do pensamento humano,
ca especulação que, no entanto, é capaz de dizer dele alguma coisa de
verdadeiro, como nos lembra a Constituição Conciliar sobre a revelação divina, Dei Verbum2.
Pascal é, na verdade, um pensador profundo e um grande escritor. Parece-nos entretanto, se nos permitem criticar um tal homem, que
seu pensamento filosófico sofre algumas deficiências, que serão utilizadas, no
prosseguimento, para justificar verdadeiros erros. Damos um exemplo, analisando,
rapidamente, o pensamento de Pascal sobre a questão da demonstração da
existência de Deus.
Como ressalta o Papa, Pascal
distingue bem entre o Deus dos pagãos e o Deus dos cristãos.
E. por isso. não
procurarei provar aqui, por meio de razões naturais, a existência de Deus, a
Trindade, ou a imortalidade da alma, nem qualquer coisa do gênero; não só
porque não me sentiria bastante forte para encontrar na natureza com que
convencer ateus empedernidos, mas, ainda, porque esse conhecimento, sem Jesus
Cristo, é inútil e estéril. Mesmo se um homem estivesse persuadido de que as
proporções dos números são verdades imateriais, eternas e dependentes de uma
primeira verdade em que subsistem, e que se chama Deus, eu não o julgaria ainda
muito adiantado em sua salvação. O Deus dos cristãos não consiste num Deus
simplesmente autor de
verdades geométricas e da ordem dos elementos; essa
é a porção dos pagãos
e dos epicuristas.
Não consiste, somente, num Deus que exerce a sua
providência sobre a vida e os bens dos homens, para dar uma seqüência de anos
felizes aos que o adoram: essa é a porção dos judeus. Mas o Deus de Abraão, o
Deus de
Isaac, o Deus de Jacó, o Deus dos cristãos, é um
Deus de amor e consolação: é um Deus que lhes faz sentir, interiormente, a
própria miséria e s sua infinita misericórdia; que se une ao fundo de suas
almas; que as enche de humildade, alegria, confiança e amor; que os torna
incapazes de outra finalidade, exceto ele mesmo.
Todos os que procuram Deus fora de Jesus Cristo,
e que se detêm na natureza, cu não encontram luzes que o iluminem, acabam por
encontrar urr meio de conhecer Deus e de servi-lo, sem mediador, e por aí caem
no ateísmo ou no deísmo, que são duas coisas que a religião cristã abomina,
quase igualmente
Parece-nos que Pascal não teria escrito essas
coisas se conhecesse a filosofia de Sto. Tomás e Aristóteles. Pascal duvida,
visivelmente, do valor probatório da demonstração da existência de Deus pela
razão, e é ainaa mais explicito algures:
As provas metafísicas de Deus acham-se tão
afastadas do raciocínio dos homens, e tão embrulhadas, que pesam pouco; e,
mesmo que issc servisse para alguns, serviria apenas durante o instante em que
vissem esss demonstração; mas, uma hora depois, receariam ter-se enganado.
Quod curiositate
cognoverunt superbia amiserunt. O que encontram por sua curiosidade, perderam por seu orgulho {Pensamentos, n° 543) Falemos, agora, segundo as
luzes naturais:
Se há um Deus, ele é infinitamente incompreensível, pois,
não tendo partes sem limites, não tem nenhuma relação conosco. Somos, portanto,
incapazes de conhecer não só o que ele é, como também se existe. Assim sendo,
quem ousará resolver a questão? Não seremos nós, que não temos nenhuma relação
com ele.
Quem. pois, censurará os cristãos por não
poderem apresentar as razões da sua crença; eles professam uma religião de que
podem dar as razões? Eles declaram, quando a expõem ao mundo, que é uma tolice stultitiam; e vós ainda vos queixais de que eles
não a provam! Se a provassem, não manteriam a palavra: é carecendo de provas
que não carecem
de senso (...) Examinemos, pois, esse ponto, e
digamos: “Deus existe ou não existe’. Para que lado nos inclinaremos? A razão
não o pode determinar: ha um caos infinito que nos separa. Na extremidade dessa
distancia infinita, joga- se cara ou coroa. Em que apostareis? Pela razão, não
podereis atingir nem uma. nem outra: pela razão não podereis defender uma ou
outra.
(.Pensamentos,
n° 233).
Todavia. Pascal não é um
agnóstico. Se a razão e impotente para conhecer Deus, Pascal apela ao coração
Acima da razão, Pascal reconhece uma outra
faculdade que chama de coração. O coração
apanha, instintivamente, as verdades que escapam às demonstrações racionais.
Ele vê a precisão das afirmações do bom senso, dá vaior ao espírito de sutileza
na vida comum; mas é. também, a faculdade dos primeiros princípios: apanha as
definições e os axiomas da geometria. Ele é, certamente, bem distinto da razão:
O coração tem suas razões, que a razão não conhece”. (Pensamentos, n° 277); mas. se ele não possui a
ciência, no sentido próprio, atinge, na sua ordem, a verdade infalível.
Contudo, se Pascal escapa ao qualificativo de
agnóstico, parece-nos que não pode evitar um outro, de tendência ao fideísmo,
porque pelo coração que conhece Deus. Pascal procura a fé.
É o coração que sente Deus, e
não a razão. Eis o que é a fé: Deus sensível ao coração, não à razão. (Pensamentos, n° 278).
Em outras palavras, não se pode conhecer a
existência de Deus pela razão, mas sim pelo coração, ou pela fé. Não é uma
tendência ao fideísmo?
Pascal tem a desculpa de ter escrito antes que a
Igreja se pronunciasse, de maneira clara e definitiva, sobre a questão da
existência de Deus. Não se pode dizer o mesmo do papa João Paulo II.
Ademais, se Pascal duvida do valor probatório da
demonstração da existência de Deus pela razão, ele não o fez até o ponto de
escrevê-lo, como fez o papa João Paulo II: “O primeiro [o Absoluto, o Deus dos
filósofos] não passa do produto do pensamento
humano, da especulação”. Se o Deus dos filósofos não é nada mais que o
produto do pensamento humano, é porque ele é um ente de razão, não é o Deus
vivo e verdadeiro.
Esta frase de João Paulo II
nos parece cair sob a condenação do Concilio Vaticano I: “Se alguém disser que
Deus, único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor, não
pode ser conhecido com certeza celas suas obras, graças à
luz natural da razão humana, que seja anátema." (FC 104),
No entanto, depois de ter dito que o Deus dos
filósofos não passa do produto da razão humana, o Papa acrescenta esta frase,
que parece embaraçadora à primeira vista: “[O pensamento humano, a
especulação], entretanto, fica capaz de dizer dele [do Deus dos filósofos] algo
de verdadeiro, como nos lembra a Constituição conciliar sobre a revelação
divina, Dei Verbum:
Como pode o pensamento dizer algo de verdadeiro
de um ser que não existe senão como produto do pensamento? Isto parece difícil
de compreender no quadro da filosofia tomista, onde a verdade consiste na
adequação da inteligência com a realidade, mas compreende-se muito bem no
quadro da filosofia idealista, onde a verdade é, apenas, o acordo do pensamento
com ele mesmo.
O Papa teria, sem dúvida, proveito, se se
referisse não à Constituição do Vaticano II. Dei
Verbum, mas àquela do Vaticano I, Dei Filius,
que citamos mais atrás, que afirma o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e
Senhor. Tudo isto é confirmado pelas analises do Pe. Brandler, publicadas por
esta revista (n— 8,10 e 12), mostrando a profunda diferença entre essas duas
constituições.
Notemos como o Papa parece
ter sido influenciado pela filosofia de Emmanuel Kant (que cita mais adiante).
Para esse filosofo, o entendimento forma, por meio das suas categorias a priorf', conceitos que unificam a diversidade do
dado sensível. Depois, a razão pura, forma três idéias que unificam os
conceitos: a idéia de mundo ( unificação do dado exterior), a idéia de alma
(unificação do dado interior), e a idéia de Deus (unificação de Deus e da
alma).
Essas idéias são, pois, nessa filosofia
kantiana, puras criações do espírito ("produto
do pensamento humano’, diz o Papa), porque não há nenhum liame
ontológico (na realidade) entre os fenômenos particulares e as idéias puras
universais. Daí a recusa de todas as provas clássicas, que partem desse dado
sensível para remontar à existência de Deus. O Papa não conserva da prova de
Sto. Tomás nada mais do que o enunciado da questão, como se verá daqui a pouco,
mas elimina o encaminhamento da sua prova.
Contudo, a linguagem metafísica de Kant mantém o
interesse: se ele não pode provar a existência de Deus, a partir do mundo
sensível, pode, assim mesmo, dar uma concepção universal válida, correspondente
às nossas categorias mentais. Ele fala do verdadeiro, no sentido idealista da
palavra, como já assinalamos.
Depois dessa introdução sobre matéria um tanto
“incômoda”, o Paca explica que os primeiros doutores cristãos, principalmente
no Oriente, não estavam interessados nessas questões filosóficas sobre Deus:
Que proveito se teria, entrando em especulação
filosóficas sobre Deus, se perguntavam, se o Deus vivo já tinha falado peíos
profetas, e, ainda mais, por seu próprio Filho? A teologia dos Padres da Igreja,
sobretudo no Oriente, se afastou, cada vez mais de Platão e dos filósofos em
geral. Mais tarde. a própria filosofia, no seio do Cristianismo, acabou
tornando-se teologia (como, por exemplo, na época moderna, com Vladimir
Soloviev[3]).
Entretanto, o Ocidente seguiu numa outra
direção, e o Papa não podia ocultar o grande esforço especulativo da
escolástica. Ele nos fala desta assim:
Sto. Tomás não abandonou a via aberta pelos
filósofos. Ele começou sua Suma Teológica com
a questão: “An Deus sit? (Deus existe?)[4]”
Essa é a questão que o senhor propõe. Essa
questão se reveía muito útil. Ela permite, não somente a focalização da
teodicéia[5],
mas de toda a Civilização Ocidental, que se gaba de ser a mais desenvolvida,
seguindo a evolução da resposta a essa questão. Mesmo que, hoje em dia. a Suma
Teológica tenha sido posta um pouco de lado, a questão inicial permanece, e não
cessa de ressoar na nossa civilização.
Este parágrafo merece algumas observações. Em
primeiro lugar, vemos o Papa contestar, sem emoção, o abandono da Suma Teológica. No entanto ela é o livro que
deveria servir de base aos estudos teológicos. S. Pio XX era formal a esse
respeito, e quis que o Código de Direito Canônico lembrasse aos professores de
teologia e filosofia, nos seminários, que deveriam seguir “o método, a
doutrina, e os princípios de Sto. Tomás
de Aquino. e que os conservassem santamente5”.
No seu último motu proprio {Doctoris Angelici,
29 Jun 1914.. escrito algumas semanas antes da sua morte, o Santo Papa cs como
suprema advenència referir-se a Sto. Tomás e exige que se tome a Suma Teológica como texto
cas lições de teologia.
Se hoje. s Suma
Teológica foi posta um pouco de lado. o principal responsáve é, com
certeza, o paca João Paulo II, que fez modificar o Código de Direito Canônicc
suprimindo a salutar cerigação de se referir a Sto Tomas e não manifestando
grande zele pela promoção do tom amo face aos erros contemporâneos.
Observamos a seguir que o Papa não se c-oDõe a
questão de saber se Stc Tomás nos deu uma coutrina verdadeira sobre esse
assento. Ele diz, simplesmente, que a doutrina de Sto. Tomas se revelou útil[6]
Sto. Tomás nãc carece interessante senão comc o iniciador de um mov mento que
se prolongou até nós e pelas ressonâncias que deste subsistem na nossa c
yilização. Como dissemos mais airás, o Papa não guarda de Stc Tomás mais do que
c enunciado da questão, eliminando todo o encaminhamento oa prova.
É, sem duvida, por isso que o Papa nãc nos fala da
demonstração ca existência de Deus aaca por Sto. Tomás. Ele passa, sem
transição, a uma longa citaçãc de um texto conciliar. Esse texto é,
supostamente, a maneira pela qual devemos colocar hoje, o problema da
existência de Deus, isto é. como a questão inicial de Sto. Tomás ainda ressoa
nos nossos dias. Vejamos.
Continuemos a citação do livro do Papa:
Para prosseguir nossa reflexão, convém citar
agora, inteiramente, uma passagem da Constituição Gaudium
et Spes, do Concilio Vaticano II:
“Na verdade, os desequilíbrios que atuam sobre o
mundo moderno estão ligados a um desequilíbrio mais fundamental, que tem raízes
no próprio coração do nomem.
É no homem mesmo, com certeza, que os numerosos
elementos se
combatem. De um lado, como criatura, ele faz a
experiência dos seus múltiplos limites; cor outro lado. ele se sente ilimitado
nos seus desejos, e chamado a uma v aa superior. Solicitado por todos cs lados,
ele é obrigado a escolher e renunciar. Pior; fraco e pecador, realiza,
freqüentemente, aquilo que não deseja e não faz o que deseja[7],
em suma. e em si mesmo que sofre divisão, e daí nascem, no seio da sociedade,
tantas e tamanhas discórdias (...
“A Igreja cre que Cristo, morto e ressuscitaoo
cara todos[8],
oferece ao homem, por seu Escírito. luz e forças [sic] para permitir-lhe
responder às suas altíssimas vocações. Ela crê que não há, sob o Céu. outro
nome dado aos homens pelo qual oevem ser salvos[9]. Ela crê. tamoem. que a
chave, o centre e o fim de toda história humana [sic] se encontram em seu
Senhor e Mestre‘h Esse texto conciliar é imensamente rico. PerceDe-se
claramente, ao lê- lo, que a resposta a questão: “Deus existe?” Não se dirige somente à razão. porque é uma questão que também, se põe sobre toda a
existência humana Ela depende, com certeza, das situações muito diversas
nas quais o homem se encontra, quanao busca a significação e o sentido da sua
existência. Porém, a questão da existência de Deus permanece intimamente ligada
àquela outra da finalidade da existência mesmo ao homem. Não se trata, somente, da razão, porque a vontade do homem
está. igualmente, implicada. É mesmo uma questão que toca o coração
humano ias “razoes do coração de Blaise Pascal).
Citamos uma longa passagem do livro do Papa,
porque esta passagem nos parece muito reveladora do pensamento moderno sobre a
demonstração da existência de Deus, depois de Blondel[10]. Como explicamos no n° 8
desta revista, a filosofia da ação julgava
que as provas metafísicas da existência de Deus eram insuficientes. Era preciso
completá-las pela experiência da ação, da vida.
Daí nasceu a nova apologética
(e mais tarde a nova teologia), a apologética aa imanència. E nos parece muito
que o texto conciliar, citado por João Paulo II. se situa nessa linha.
A citação de Gaudium
et Spes nos mostra o homem fazendo experiência dos seus limites e das
suas misérias, ao mesmo tempo que dos seus desejos de perfeição. A Igreja lhe
propõe a solução para esses conflitos: Cristo, que lhe permite responder à sua
vocação, aos seus desejos de uma vida superior'4.
O próprio Papa tira a conclusão dessa citação: a
questão da existência de Deus não se põe somente à razão, mas ela repousa sobre
a existência humana, e a vontade está, igualmente, implicada.
Isto quer dizer, pensamos, que o homem não pode
esperar uma certeza perfeita da existência de Deus (e da verdade da religião
cristã) somente pela razão. Mas. ele pode constatar, pode fazer a experiência
das suas próprias misérias, do mal que está nele e na sociedade: se ele a
aceita, pode. também, fazer a experiência de Deus (com quem pode entrar em
contato pela prece, por exemplo): ele verá, então, que essa experiência
responde aos desejos secretos do seu coração, e permite soldar a 'trinca” da
sua existência, puxada como num cabo-de-guerra entre seus desejos de perfeição
e a constatação da sua miséria[11].
Explicamos, no n° 8, os perigos desse método de
imanència, condenado em parte por S. Pio X. Ele faz repousar a verdade da
existência de Deus (e da religião cristã) sobre a experiência, isto é, sobre
qualquer coisa de subjetivo, de relativo, de variável. A partir daí. se
volverá, muito naturalmente, a considerar que a verdade sobre Deus (e sobre a
religião) é alguma coisa de subjetivo, de relativo, de vivente. Não é de
admirar que João
Paulo II seja. também, o papa do ecumenismo
itodas as religiões são. mais ou menos. verdadeiras) e da tradição viva56''.
Acrescentemos que essa busca ae Deus. por meio da
experiência, é especialmente perigosa hoje em dia, quando toda sorte de seitas
propõem experiências do divino. É absolutamente necessário afirmar oue se pode
conhecer a existência oe Deus verdadeiro, e saber qual é a verdadeira religião,
sem precisar fazer experiências, unicamente pelo raciocínio e pelos motivos de
credibilidade.
O Papa termina seu primeiro capítulo sobre essa
questão recuperando Sto. Tomás para sua causa:
Ao meu juízo, é injusto ver na aproximação de
Sto. Tomás algo puramente racionaiista (...) Porque Tomás de Aquino afirma a
riqueza e a complexidade de todo ser criado, particularmente do ser humano. É
lamentável que seu pensamento tenha sido negligenciado após o Concilio, porque,
com certeza, ele não deixou de ser o mestre do universalismo filosófico e
teológico. É nessa perspectiva que é preciso estudar suas qulnque viae. isto é, as cinco vias que conduzem à
resposta da questão: “Deus existe?” Não negamos que Sto. Tomás conhecesse a
riqueza e a complexidade do ser humano. Sto. Tomás sabia, perfeitamente, o
valor da experiência religiosa. Mas. no caso do conhecimento do verdadeiro
Deus, essa experiência ocorre por intermédio da sabedoria, isto é. para aquele
que já possui a fé e a caridade. O dom da sabedoria nos faz “saborear",
experimentar os mistérios divinos por uma certa conaturalidade com Deus,
possuído pela alma em estado de graça. Mas esse dom intervém ao final, não no
início da busca de Deus, por uma alma já purificada e fortemente possuída pela
caridade.
Quanto às cinco provas da existência de Deus,
dadas por Sto. Tomás, elas não fazem apelo a nenhuma experiência de Deus, mas
somente a experiência comum de todos os homens sobre a existência do movimento,
de séries de causas, do necessário e do contingente, das diversas perfeições, e
da finalidade. Mais do da experiência, convém falar de conhecimentos, pois se
trata de realidades que o homem pode conhecer no exterior dele.
O jornalista oropõe. então, uma nova questão ao
Papa:
Permita-me uma pequena pausa. Não ponho em
duvida o valcr filosófico e teórico daquilo que V. Santidaae começou
a expor. Mas esse gênero de argumentação ainda tem uma significação concreta
para o homerr de hoje, quando se interroga sobre Deus. sua existência, sua
essência?
‘Ao meu juízo, hoje mais do que nunca”, responde
o Papa. E começa por explicar que o mundo contemporâneo inicia a reversão da
sua concepçãc positivista, que tinha levado a esvaziar os conceitos de Deus ou
de alma. E prosseguiu:
É justamente essa aproximação (positivista) que
é posta em questão atualmente pelo menos em certos domínios. Podemos
contestá-lo, por exemplo, comparando as primeiras com as ultimas obras de
Ludwig Wittegenstein[12],
o filosofo austríaco da primeira metade do nosso século.
Ninguém contesta o fato de que o conhecimento
humano procede, em primeiro lugar, de um conhecimento sensoriai Nenhum dos
filósofos clássicos nem Platão nem Aristóteles, o pôs jamais em duvida. O
realismo dc conhecimento, bem como o realismo chamado ingênuo, tanto quanto c
realismo crítico, estão de acordo. Nihil est in
mtellectu, quod prius non fuerit in sensu (não existe nada no intelecto
que não tivesse antes existido na percepção sensoriai). Entretanto, os limites
dessa percepção não são exclusivamente sensoriais. Sabemos, por certo, que o
homem não percebe somente as cores, as tonalidades e as formas mas que ele
percebe os objetos globalmente: por exemplo, ele conhece não somente um
conjunto de qualidades concernentes ao objeto “homem . mas. também, o homem em
si mesmo, enquanto pessoa. Conhece, pois, verdades que são extra-sensoriais ou,
por outras palavras, que se situam além da experiência. Não se pode.
entretanto, afirmar que o que se situa além da experiência, isto é, que
ultrapassa e supera o domínio empírico, deixa, em conseqüência, de ser
empírico.
Vê-se, por
essa passagem, como o Papa mistura a filosofia tradicional com a nova
filosofia. Nada de mais tradicional do que este axioma: Nihil est in intellectu, quod
orius non fuerit in sensu. que é fundamental para o realismo do rosso
conhecimento' . porém, o final do parágrafo não está conforme à filosofia
íomista.
Sto. Tomás distingue duas sortes de
conhecimento: c conhecimento sensível e o conhecimento intelectual. O
conhecimento pelos sentidos externos exige a presença do conhecimento
intelectual. O ccnnecimento pelos sentidos externos exige a presença ( a
experiência”) de um objeto sensível. Poder-se-á. pois. chamar ce conhecimento
empírico (ou experimental) o conhecimento pelos sentidos externos 9.
A inteligência extrai i abstrai) da imagem fornecida
peios sentidos, a natureza universal e necessária. O connecimento intelectual
funciona, cois. por meio de idéias universais que fazem abstração do tempo e do
lugar. Ela não exige a presença atual da realidade “inteligenciada”, ela não
pode, pois,, ser chamada de empírica"0
Por exemplo, o conceito de ser (ou o de bem) é
tota-mente livre de todos os dados dos sentidos. Com certeza, o ser é alcançado
nas imagens sensíveis dadas pelos sentidos, mas a inteligência retira todo o
sensível a fim de conservar, apenas, o inteligível puro.
Não temos experiência do ser (ou do bem), nem
sensação do ser. Donde, não temos nada de experiência de Deus. conhecido pela
inteligência como o primeiro ser. não
temos qualquer sensação de Deus"1.
Para o Papa. ao contrario, mesmo quando se deixa
o domínio dos sentidos, fica-se num domínio empírico. Assim, se poderá falar de
experiência do bem e do mal (experiência moral), de experiência de Deus
(experiência religiosa):
É, portanto, justo faiar de experiência humana,
de experiência morai e experiência religiosa. Se é possível evocar essas
experiências, é difícil negar que, no seio da experiência humana, tem lugar o
bem e o mal. a verdade e a beleza. Pode-se. pois. encontrar, também, Deus. Em
si mesmo. Deus não é. certamente, objeto de conhecimento empírico. As
escrituras o ressaltam ao seu modo: "Ninguém jamais viu Deus[13]”
Se Deus é objeto de conhecimento, ele está, como dizem em comum acordo o Livro da Sabedoria e a Epístola
aos Romanos, sobre a base da experiência que o homem faz do mundo
visível, e do seu próprio mundo interior.
O Papa quer manter com a nova filosofia
(modernista) que Deus é alcançado pela experiência, na vida, na existência, e
não em um simples conhecimento intelectual abstrato. Ele se choca com as
Escrituras que dizem que ninguém jamais viu Deus. Pouco importa, ele interpreta
esse texto como visando a uma experiência puramente sensitiva, o que deixa a
possibilidade de um conhecimento empírico de Deus[14]. E afirma que o Livro da Sabedoria e a Epístola
aos Romanos, nos falam desse conhecimento experimental do
Nesta passagem do seu livro, o Paoa apela,
explicitamente, a Kant e a prova da existência etica (imperativo categórico):
É ali que Kant deixa a rota :radicional, traçada pelos livros bíbiicos. e Sto. Tomás de
Aquino: para tomar a da experiência ética: o
homem se reconhece enquanto ser ético, capaz de agir segundo os critérios do
bem e oc mai. e não. somente, por aqueles ao proveito e do prazer. Ele se
reconhece também, enquanto ser religioso, capaz de entrar em contato com Deus.
A prece, da qual falamos antes, é. num certo sentido, a primeira prova dessa realidade.
Esta passagem é muito reveladora Mostra-nos que
o Papa está consciente em deixar a filosofia de Sto. Tomás para tomar a de
Kant. Desejo importante, se existe. E com certeza. íá que reside o problema.
Para S. Pio X. o mal do modernismo provém,
justamente, da “aliança da falsa filosofia com a fé[15]”. E essa falsa filosofia é,
certamente, o Kantismo, a heresia moderna “II kantismo é I eresia moderna25.
Quanto ao problema que estamos tratando, a
filosofia Kantiana se verifica inteiramente insuficiente para demonstrar a
existência de Deus. A certeza da existência de Deus, à qual ela permite
rematar, “é subjetivamente suficiente, se bem que objetivamente insuficiente”.
De outro modo: se desejo muito crer em Deus, posso ter uma certeza subjetiva da
sua existência. Mas sou incapaz de fazer uma demonstração objetiva que possa
obrigar um agnóstico, ou um ateu, a admitir a existência de Deus. Remetemos os
leitores, para maiores "formações, ao n° 12
desta revista oáginas 97 e seguintes"'.
Nesta passagem temos, também, uma confirmação da maneira
pela quai c Papa concebe a prova da existência de Deus pela experiência: “Ele
se reconhece também, enquanto ser -sligioso. capaz de entrar em contato com
Deus. A prece, da qua falamos anteriormente é. num certo sentido, a primeira orova dessa realidade”. Chega-se à certeza da
existência de Deus pela experiência da prece, que se constitui na prova
principal23. O Papa se coloca, resolutamente, no quadro aa filosofia
e da apologética da imanência. condenadas oor S. Pio X.
No final cesse capítulo, o Papa arrola um certo
número de filósofos contemporâneos, representantes da hermenêutica (Paul
Ricoeur Emmanuel Lévinas), da filosofia das religiões Mircea Eliade), e da
filosofia do diálogo (Martin Buber e, ainda Emmanuel Lévinas).
Ccntentar-nos-emos em citar o texto do Papa, e, depois, dar uma breve descrição
dos filósofos aos quais se refere João Paulo II.
Afastando-se dos pressupostos positivistas, o
pensamentc contemporâneo transpôs etapas decisivas na descoberta cada vez mais
completa co homem. Por exemplo, com a descoberta do valor da linguagem
metafórica e simbólica.
A hermenêutica contemporânea[16], que encontramos nas obras
de Paul Ricoeur, entre outros, ou, sob um ângulo diferente, naquelas de
Emmanuel Lévinas, nos faz aproximar, graças a novas perspectivas, da verdade
sobre c mundo e socre o homem.
Enquanto o positivismo nos afasta dessa
compreensão mais ampla, e num certo sentido, no-la interdita, a hermenêutica,
que atua na significação da
linguagem simbólica, nos permite reencontrar
essa visão. e. até mesmo, de alguma maneira, ennauecê-la. Não disse isto.
evidentemente, com a intenção de negar a capacioaae da razão para formular
conceitos confiáveis sobre Deus. e sobre as verdades da fé.
É por essa razão que a filosofia da religião e
tão importante para o pensamento contemoorâneo; por exemplo, o de Mircea
Eliade, e, entre nós. na Polônia, o do arcebisoo Marian Jaworski e da escola ce
Lublin.
Somos testemunhas de um retorno sintomático à
metafísica, isto é. à filosofia do ser. através da ‘antropologia integral Não
se pode pensar, convenientemente no homem, sem essa referência a Deus, que é
essencial para ele. Foi isto que Sto. Tomás chamou de “actus essendi”, na
linguagem da filosofia da existência A filosofia da religião exprime a mesma
coisa, utilizando as categorias da experiência antropológica.
Os filósofos do diálogo, tais como Martin Buber
ou Emmanuel Lévinas. que citamos, têm contribuído muito para essa experiência.
Daí em diante, nos encontramos muito cróximos de Sto. Tomás, mas o caminho
passa, menos pelo ser e pela existência, que pelas pessoas e seu encontro:
através do ;,eu" e do “tu". Lá está uma dimensão
fundamental da existência do homem, que é. sempre, uma coexistência.
Onde os filósofos do diálogo aprenderam isso?
Eles o retiraram, antes de tudo, da existência da Bíblia. A vida humana, toda
ela, é uma coexistência no quotidiano - tu e “eu” -, mas, também, na dimensão
absoluta e definitiva: “eu" e “tu". A tradição bíblica gira ao redor
desse “Tu”, que é, aliás, o Deus de Abraão, de Isaac. de Jacó, o Deus dos
Patriarcas, e, depois, o Deus de Jesus Cristo e dos Apóstolos, o Deus da nossa
fé.
Nossa fé é profundamente antropológica,
fundamentalmente enraizada na coexistência do povo e Deus e na comunhão com o
Tu” eterno. Uma tal coexistência é essencial para nossa tradição judeu-cnstã, e
vem da iniciativa do próprio Deus. Ela se situa na linha reta da criação, da
qual é o prolongamento. E, ao mesmo tempo, como diz S. Paulo, ela é “a eleição
do homem, desde antes da fundação do mundo,, no Verbo que é o Filho[17]”.
Vamos dar agora, algumas informações biográficas
e bibliográficas sobre os principais filósofos contemporâneos, citados por João
Paulo II nos dois capitulos que acabamos de analisar. Advertimos os leitores de
que a leitura desta parte do nosso estudo pode lhes parecer difícil. Isto.
porque os filósofos modernos estão longe de possuir a precisão do pensamento, e
a clareza de expressão de Sto. Tomás. A análise do seu pensamento é um
exercício árduo e penoso.
Esta segunda parte tem. aliás, sobretudo um
aspecto documental. Não é indispensável, as páginas precedentes já deram uma
idéia suficiente do pensamento filosófico de João Paulo II. Dirigimo-nos. aqui,
mais especialmente àqueles que se interessam um pouco pela filosofia, e que
desejam ter informações mais precisas sobre as fontes filosóficas do atua!
papa.
Tiramos uma boa parte das nossas informações da Encyclopédie philosophique uníverseiie, publicada
sob a direção de André Jacob. PUF, Paris. 1989. IIIa parte: Les
oeuvres philosophiques”, volume dirigido por Jean-François Mattel. 1992.
Movimento essencialmente místico, o hassidismo
opunha ao racionalismo talmúdico o primado da vida interior, e a aspiração à
união de amor com Deus.
Considerado herético pelos talmudistas, esse
movimento renovou profundamente, no entanto, a vida religiosa das comunidades
judaicas da Polônia e da Rússia. O grande representante dessa corrente, na
época contemporânea, foi o filósofo israelense Martin Buber[18].
A obra central da filosofia do diálogo, própria
de Buber, é Eu e Tu {ich und
duf2:
Eu e Tu põe a relação no começo da existência e revela duas
‘palavras princípios" que a definem: eu - isto, e, eu - tu. Em cada esfera
da relação, a natureza, os outros homens, Deus, o homem pode coisificar esse a
quém ou aquele a quém ele faz face, reduzindo-o a uma série de determinações
objetivas, tratando-o como simples meio. O universo técnico, no seu conjunto,
contém numerosas relações eu - aquilo. Mas, o homem pode. também, instaurar uma
recíproca verdadeira, por exemplo, com outro homem. 0 eu - tu. que nasce desse
encontro, se define peio diálogo que me endereça, e endereça c outro no mesmo
momento, como sujeito. Esse encontro é, no sentido forte do termo.
acontecimento onde a palavra recebe sua plena e inteira significação. Se o
eu-isto s necessário, e util ao funcionamento do mundo, só o eu - tu resgata a
verdade última c: humano, e abre. assim, sobre a verdadeira relação entre o
homem e Deus, o Tu eternc Por este texto, a filosofia de Buber aparece, contra
todos os reduciomsmos. coirc eminentemente representativa dessa corrente
contemporânea, que afirma os direitos cs outro, e a importância do encontro[19].
Fez seus estudos na Universidade de Bucareste, a
partir de 1925. once confirmou seu interesse pela filosofia, a alquimia, a
história das religiões, e as línguas orientais. Viveu na índia alguns anos. até
1932. Lá. praticou yoga num nível bastante elevado. Professor em Paris, a
partir de 1945. deoois em Chicago, a partir de 1956.
Uma das suas principais obras é Le Sacré et le profane (1946). Eis alguns retratos
de um resumo desse livro que mostra bem a inspiração gnóstica e pagã:
Trata-se de uma apresentação sintética da
história das religiões Reconhecendo a influência dos Fatores sociológicos,
psicológicos e históricos na formação dos símbolos religiosos, o autor se opõe
ao reducionismo. Ele se interessa peia estrutura de base do fenômeno religioso
em si mesmo, para além das diferentes modalidades de expressão religiosas.
Eliade recomenda ao historiador respeitar o caráter fundamentalmente
irredutível das manifestações do sagrado. Este não é o sinal de um estagio
particular da consciência, mas um elemento primordial de toda a experiência
humana. O sagrado corresponde a uma maneira de ser no mundo. Com ele, o homem e
lançado para fora da sua situação histórica, para um universo do “inteiramente
outro”.
O sagrado é, pois, uma sacralização. um processus de transcendentalização das significações
ordinárias. Ele se manifesta operando uma ruptura dos níveis da experiência,
por atos que o autor denomina “hierofanias”. Uma pedra, elemento discreto do
mundo profano, torna-se um lugar onde o sobrenatural se manifesta. O sagrado e
o profano são unidos diaieticamente: eles coexistem no seio oe uma relação
paradoxal. O profano-limitado, finito, ordinário. - produto do sagrado -
mfinito, transcendente - permanecendo no estado natural. Uma interpretação que
não considera esse paradoxo versa, seja no misticismo e na irracionalidade,
seja no mstoricismo e no reducionismo Assim, o agricultor austro-húngaro que
designa, com o mesmo vocábulo, o falo e s enxada, sabe muito bem que esta é um
instrumento fabricado peios homens, e destinadc à agricultura.
O mundo co homo religiosus
é um cosmos, que e dosío em ordem pelas potências transcendentais, no curso do ato
simbólico da consagração que ordena, num caos coerente, o caos ao informe, freqüentemente simbolizado pela figura da serpente. O contato entre os munaos
que é. assim, assegurado, é o centro conde se difunde o real. e que assegura a
qualquer homem a certeza de um ponto fixo. uma orientação prévia. O simbolismo
do centro ao mundo se encontra
no seio da arquitetura arcaica. As cidades são construídas ao reaor do eixo
intermundano que constitui o totem; as habitações mantêm uma abertura no teto. a fim de que a circulação generalizada
seja preservada Certas tribos nômades se deslocam levando o totem, se bem que
elas estão certas de permanecer, seja onde chagarem, no centro do mundo, ao
abrigo do caos. O espaço dc homo religiosus
é, também, ligado ao espaço divino por pilares cosmicos. Ainda há mais; o
cosmos estando totalmente estruturado pelos deuses, e animado pela enorme diversidade das
manifestações do sagrado. Múltiplas relações de homologia ligam os homens e os
demais elementos, que participam, todos, do mesmo conjunto cósmico. A mulher
pode, assim, ser assimilada à gleba e à mãe terra, o ato sexual à hierogamia
céu- terra e às sementeiras. Estas correspondências permitem ao homo religiosus ascender a uma infinidade de
experiências cósmicas, que mantêm uma aoertura, uma passagem entre sua
existência e o mundo[20].
Aluno de Heiddegger e de Husserl, “lançará” este
ultimo na França, e permanecerá, sempre, seu fiel discípulo. Somente uma influencia
muito profunda do Talmud o diferenciará do seu mestre.
Além das numerosas
interpretações do Talmud (ele foi diretor da Escola Normal Israelita Oriental),
Lévinas foi um filosofo da linguagem, um especialista da fenomenologia, e um
defensor ardente da alteridade radica! do “outro".
Nascimento em Kovno (Lituânia). Estudos clássicos
precedidos da aprendizagem do hebraico e da iniciação aos estudos da Bíblia.
Leitura apaixonada dos grandes autores russos. A Revolução foi vivida na
Ucrânia. Partida para a França (1923) e inicio dos estudos filosóficos em
Strasburgo, onde começa uma grande amizade com Maurice Blanchot. Em Friburgo
(1928 - 29), próximo de Husserl e Heiddegger. Volta a Strasburgo, defende sua
tese sobre Husserl (publicada em 1930). Naturalizado depois de 1930, mobilizado
(1939), prisioneiro (1940). Passa toda a guerra na Alemanha. A quase totalidade
da sua família residente na Lituânia, é massacrada pelos nazistas. Sua esposa é
recolhida por diferentes pessoas que a protegem das autoridades francesas e das
tropas de ocupação. Diretor da Escola Normal israelita oriental (1946).
Encontra Chouchani, com quem empreende um estudo do Talmude.
Professor na Universidade de Poitiers (1961). em Nanterre (1967), depois na
Sorbone (Paris IV) (1973). Professor honorário após 197635.
Este livro “se apresenta como uma defesa da
subjetividade’’ (...) Opondo-se a uma filosofia dominada pelos conceitos de ser
e de totalidade (...). a aptidão dos homens à palavra (...), Lévinas se engaja
no pensamento da subjetividade como capaz, justamente, de uma experiência
esquecida (...)
Essa experiência se fundaria sobre “a maravilha
da idéia do infinito”, sobre a capacidade extraordinária do homem, finito e
mortal, de acolher nele uma tal idéia, de sentir e saber sua pura
espontaneidade de ser fundamentalmente posto em questão, posto em questão por
ela. E, por isso mesmo, de atingir a ética. Mas, onde e como encontrar uma tal
idéia, posto que o homem também não pode - Descartes o demonstrou - dar-se a si
mesmo? Como pensar que uma subjetividade realiza a exigência impossível de
conter mais do que é possível conter”?
Lévinas convida a buscar resposta e esse enigma
descrevendo a experiência da epifania da face do outro, como a experiência por
excelência, como advento e encontro da idéia do
infinito. Como momento onde “o brilho da
exterioridade, ou da
transcendência” vem visitar a subjetividade do
homem, abrindo, por ela, a dimensão do divino.
Porque a relação com o outro enquanto face, a
eminente retidão do face a face. e a entrada no diálogo que ela supõe, não
desafiando tanto "a fraqueza dos meus poderes” que o meu "poder de
poder”, diante da face do outro, sua elevação, mas também sua essencial
fragiiidade se revela a mim, "a nudez da abertura do transcendente”, o
infinito me visitando no instante em que me resiste, fazendo entender a antiga
paiavra do “tu não matarás”. Mais ainda, essa presença me chama - e a ninguém
mais -. para que eu reconheça seu desejo ardente e sua angustia, para que eu me
ponha no ser de tal maneira que elas premiem o cuidado que tenho de mim mesmo,
que sustém o movimento da minha feliz tomada de posse do mundo. Essa atenção
para com o outro, esse “algo mais” de consciência, me ensinam o privilegio do
próximo sobre meu egoísmo natural, eles me ensinam que a justiça bem ordenada
começa pelo outro.
O que fica então da subjetividade? O autor mostra como é
somente abordando-se o outro que socorre a mim mesmo”, porque nada pode me
suprir nessa empreitada. “Sem poder me disfarçar, eis o eu”: o apelo à minha
responsabilidade infinita por outro, responsabilidade não escolhida, mas que me
incumbe, me leva a pensar e a viver minha eleição para o serviço do próximo,
daquele que se revela a mim no rosto do Altíssimo, e. assim fazendo, cumprir
meu “ser para o outro”. Se “ser eu” é “ser capaz de ver a ofensa do ofendido,
ou [seu] rosto”, somente o cuidado ético, a vigilância para o bem do outro
homem, alerto que não autoriza o repouso no ser, dão a justa medida da
subjetividade humana36.
De linha kantiana, Ricoeur descobrirá, através
da amizade que o ligou a Gabriel Mareei, o existencialismo cristão (Mounier,
Jaspers). Tendo se tornado tradutor de Husserl, acabará seu discípulo, atraído
pela sua fenomenologia da percepção. Ricoeur é conhecido, sobretudo, pela
hermenêutica e interpretação que fará de Freud.
Filosofo francês; apos seus estudos de filosofia
em Rennes, ele ensina em Strasburgo, onde sucede a Jean Hyppolite (1950 - 50),
em Paris-Sorbonne ( a partir de 1956), em Nanterre (1966 - 78) - deão da
faculdade de Nanterre, de março de 1969 a março de 1970 - e Chicago, diretor do
Centro de Pesquisas fenomenológicas e hermenêuticas no CNRS.
Tradutor e interprete das ideen de Husseri. o autor se liga à dupla herança
da fenomenologia husserliana e da filosofia aa existência (Gabriel Mareei.
Emmanue Moumer. Karl Jaspers). O cuidado maior do seu pensamento é ampliar a
filosofia cs reflexão, na direção de uma hermenêutica filosófica, cuidadosa de
travar um diáloçc fecundo com a fenomenologia da religião, a lingüística, a
psicanálise e a exegese bíblica Ver a analise da filosofia hermenêutica feita
pelo Pe. Emmanuel-Marie. em ue Sei de Ia terre
12. pp. 14 a 27.
Ele é a grande figura do idealismo russo, tendo
recebido a tríplice influencia cs filosofia alemã (Kant, Schelling, Hegel), da
herança nacional ou eslavófila, e da gnose.
Seu pensamento, sempre confiante na razão -
recolhe ao mesme tempo a herança nacional ou eslavófila. Ele é, antes, marcado
pela gnose que pelas ciências naturais. Assim, começa pela pesquisa de uma
historiosofia evoiuciomsta, depois uma utopia teocrática e sofiológica. Essa
imenss construção barroca se simplifica no final da sua vida. quando toma
andaduras apocalípticas para denunciar o que Soloviev considera como o perigo
maic' do nosso tempo: a falsificação do bem. que arrasta à perda do senso cc
homem e de Deus37.
Uma concepção muito unívoca do Ser é a chave da
sua doutrina. Ser absoluto, único e divino, do qual o mundo é apenas
uma materialização. Ascende-se ac conhecimento desse Absoluto pela fé, que é
intuição. Os conhecimentos racional (filosofia e empirista ( ciências),
dependem, essencialmente, da fé. a única que garante a existência certa do
objeto de conhecimento.
Politicamente, “a unidade universal” deve se
manifestar sob a forma de união universal das pessoas, essencialmente
religiosa. Dai o ecumenismo de Soloviev. A instauração do reino de Deus sobre a
terra se fará pela união das Igrejas ortodoxas e cristãs, culminado numa
verdadeira teocracia universal. Nisto ele é o herdeiro de Schelling,pois
deseja, por sua vez, reconciliar católicos e protestantes, trazendo para o
catolicismo congelado o fermento da liberdade protestante. Morta no fim dos
seus dias. por causa da sua impossibilidade, essa utopia teocrática será
transformada por Soloviev em escatologia, contando como ortodoxos, católicos e
protestantes se retirarão para o deserto, a fim de esperar a segunda vinda de
Cristo.
Sua ética e igualmente imbuída desse mesmo
idealismo. Longe de regular o ato por seu objeto. Soloviev submete, totalmente,
a morai à religião: o homem é moral se se submete à vontade ce Deus. aspirando
a instauração ao remo humano divinizado.
Nascido de mãe católica e pai de origem judia,
convertido ao protestantismo aluno de Russel. Wittgenstein vai influenciar, e
até mesmo aominar. a filosofia angic- americana do século XX.
-
O mundo é uma totalidade de fatos, e não ae coisas, os quais são
absolutamente contingentes: dai o repúdio de toda universalidade da linguagem,
como repúdio da causalidade Sua lógica é, antes de tudo, analítica, passando
por um repúdio de lógica formal. Esta ultima não sendo exaustiva, não poderia
ser universal (ponto centra de Wittgenstein, que é. antes de tudo, um filósofo
da linguagem)
-
Admite, entretanto, a existência de uma
realidade transcendente, cuíc mistério
é inefável. Inacessível ao conhecimento racional, esse inefável levanta da
realidade mística, somente conhecida pela revelação.
-
Por conseguinte, a moral é transcendente,
igualmente inexprimível, situando- se além do verdadeiro e do falso, posto que
além de todo conhecimento racional.
No verão de 1908 (apos a morte de Boltzmann.
junto ao qual quis estudar) Wittgenstein parte para a Inglaterra, e, em seguida
a estadas em Derbyshire e Manchester (onde estuda, principalmente,
aeronáutica), se interessa pelos fundamentos matemáticos e se inscreve, em
1911. em Cambridge, onde conhece Russel. lê Frege e trabalha problemas de
filosofia e lógica. Após conferências de Brouwer. sobre os fundamentos das
matemáticas (1928), e de contatos com Schlick e Waismann, participa de certos
trabalhos do Círculo de Viena, depois retoma, em 1929, a Cambridge, onde
defende uma tese de doutorado (O Tractus.
publicado em 1921). A partir de 1929. volta a escrever, e uma modificação
profunda acontece na orientação filosófica de Wittgenstein, até então ocupado
em corrigir as concepções do Tractus. Aquilo
que Russel chama de “uma nova filosofia” nasce, e se elabora progressivamente,
até culminar nas Philosophische Untersuchungen
[Pesquisas Filosóficas] (terminadas em 1945)38.
“[Wittgenstein] constitui um caso exemplar aos
olhos dos teólogos atuais (inclusive João Paulo II): tendo abandonado o
positivismo lógico da sua juventude, para adotar uma posição próxima da
fenomenologia. terminou seus dias como jardineiro num mosteiro. Esse itinerário
modelo não é a prova de que a filosofia contemporânea, somente cuando aliada à
fé. pode reconduzir a Deus os espíritos positivistas modernos?” (Pe.
Emmanuel-Marie, Sei de Ia terre 12. p. 14.
nota 19).
O esforço do Papa em demonstrar a existência de
Deus nos parece, pois. ■undamentalmente kantiano e subjetivista. Não se deve
deixar enganar pelo fato de que o Papa cite o nome de Sto. Tomás de Aquino. Na
verdade, ele não segue as passadas tcmistas, que consistem em demonstrar a
existência de Deus a partir da realidade exterior ao homem, por meio do
principio da causalidade. O Papa parte da experiência que o homem faz de si
mesmo para alcançar a Deus, numa demarche existencial e fenomenológica.
A diferença essencial entre os dois esforços é manifestada, carticularmente.
pelo grau de necessidade da prova[21]:
A prova tomista é objetivamente necessária, enquanto que a prova kantiana é
subjetivamente necessária, apenas. Num caso. se é obrigado a admitir a
existência de Deus. No outro, fica-se livre. Não é de admirar que, com essa
filosofia, o Papa se faça o defensor intrépido da liberdade religiosa.
1- João
Paulo II, Entrez dans 1’espérance, Paris, Plon - Mane, 1994, pp. 55 - 69.
2 - Dei Verbum n° 3. O itálico é nosso, como em todas as citações seguintes.
Esta nota é muito insuficiente. Remetemos os leitores à
ultima parte deste estudo, a fim de melhor conhecer esse pensador, ao qual João
Paulo II se refere.
6 - Ou teologia natural (racional), justificando
a bondade de Deus malgrado a existência do mal. (N. d. e.)
7 - Código
de Direito Canônico (1917), can. 1366 § 2.
12 - Gaudium et Spes, n° 10.
14 — Pouc-se comparar esse
rscíocínío com a prove de existenaa de Deus dada por
P/ondel, tal como s resume joseph
de Tonquédec: "Nós somos a desproporção do ideal e do real, mas tendemos
para sua identidade: e essa identidade é ele [Deus].” (Tonquédec, Immanence, Paris, Beauchesne, 1913, p. 36).
16 - No
sentido modernista de uma tradição que evolui com a vida.
18 - Lembremo-nos, no entanto, que Kant se
expressa quase da mesma maneira: “Que todo o vosso conhecimento começa pela
experiência, não levanta nenhuma duvida. Por certo, para que nosso poder de
conhecer pudesse ser descoberto, e posto em ação. não seria pelos objetos que
impressionam nossos sentidos. (...) Assim, cronologicamente, nenhum
conhecimento precede em nós a expenència, e é com ela que tudo começa.”
Eis como Kant concilia isto com o seu idealismo:
“Mas, se todo o nosso conhecimento começa com a experiência, isso não prova que
ele denva. todo, da experiência, porque poderia ser que nosso conhecimento pela
experiência fosse um composto do que recebemos das impressões sensíveis, e
daquilo que o nosso próprio poder de conhecer (simplesmente excitado por
impressões sensíveis) aí tenha sido levaao por uma longa experiência que
tenhamos aprendido a separar". (“Introdução à segunda edição”, in Critique
ae Ia raison pure, 11a ed. Paris, PUF, 1986 [1a ed. 1994]
p. 31 - 32.
19 - Não visamos, aqui, o caso do conhecimento pelos
sentidos internos, porque esses sentidos servem para conservar, analisar ou
ligar os dados dos sentidos externos, sem trazer novos objetos de conhecimento.
20 - A inteligência pode conhecer a existência
atual de uma realidade por meio do julgamento de existência (“esta mesa
existe", “eu existo”, Deus existe"), mas nesse caso há uma ligação
entre a idéia “inteligada” e uma imagem sensível. No caso de Deus, há um
julgamento de existência sobre uma realidade (“este movimento existe”, por
exemplo), depois, por meio do principio de causalidade (logo, por um raciocínio
intelectual), liga-se a existência de Deus a essa realidade sensível. Há, pois,
bem uma experiência, mas é a experiência de uma realidade sensível externa, não
a de Deus.
21 — t—OGô S6f Cfliô fíGS
ObjStciTT qü'e Síu. TGimSS CGnnGCG uiii3 tGfCSiTS SGríe uc CGnheCíi i iGmlG. u
CunflGCii i icmO afetivo,
que não é nem um conhecimento sensível, nem um conhecimento intelectual. Ele
como que faia. por exemplo, em II - II. q 45. a 2. a propósito do
dom de sabedoria. Mas chamamos a atenção de que essa sorte de conhecimento, não é fonte ae informações
positivas novas, ela é. sobretudo, uma nova maneira de considerar um objeto já
conhecido :ver as notas técnicas do Pe. H. D. Gardeil. na Revue des Jeunes, p.
256 - 357). No que concerne a Deus, um taí conhecimento será possível para
aqueles que já conhecem Deus, e o possuem pela fé e a caridade. Ela não
poderia, pois, ser o meio de demonstrar a existência de Deus.
A esse propósito, é instrutivo prestar-se
atenção às palavras utilizadas por S. Paulo na famosa passagem (Rm 1.20), onde
ele afirma que se pode conhecer a existência de Deus pela razão. "Invisibilia [Dei], a creatura mundi, per ea quae facta
sunt, intellecta, conspiciuntur. As perfeições invisíveis de Deus são
tornadas visíveis, após a criação do mundo, por meio das suas obras, uma vez
estas ‘inteligidas". Para S. Paulo não se faz experiência de Deus, mas das
suas obras, e deve-se, em seguida, “inteligi-las”. (Donde, deixar o plano da
experiência para se colocar no plano da inteligência).
24 - A Epístola aos Romanos (Rm 1,20) diz que “as perfeições de Deus são, depois da
criação do mundo, tornadas visíveis à inteligência por meio das suas obras”, e
o Livro
da Sabedoria (Sa 13,2) nos
detalha essas obras: “o fogo, o vento, o ar móvel, a água impetuosa, os clarões
do céu”. Nenhum desses textos fala “da experiência que o homem faz (...) do seu
próprio mundo interior”, e, parece, bem ao contrario, que eles têm em vista
somente o conhecimento das realidades exteriores ao homem.
26 - “O kantismo é a heresia moderna” (palavras de S. Pio X
ao cônego Bernard Gaudeau, fundador da revista La foi cattolique, de 9 Mar 1907). Ver os editoriais dos rr5
2 e 5 desta revista.
27 - Para Kant, não poder a ser possível argüír
o pnncipio de causalidade para tentar provar a existência de uma causa
absoluta, de Deus. O principio de causalidade não é “real": não é do que o
entendimento que se aplica, em certas condições, aos fenômenos. Não oosso
aplicar esse principio de causalidade para remontar até a causa primeira, que é
Deus, posto que Deus está fora da ordem dos fenômenos.
Kant admite que a idéia de Deus é natural ao
nosso espírito, e aí se apresenta como uma idéia construída útil. Ele dirá,
mesmo, que se pode ter uma certeza moral da sua existência por um ato de fé livre da razão prática: devo fazer o bem e ser
recompensado por isto. donde, Deus deve existir. Essa certeza, precisa Kant. “é
subjetivamente suficiente, se bem que objetivamente insuficiente”.
28
- Note-se que João Pauio II trata, no seu livro, da prece (capítulos 2 e 3)
antes de falar da existência de Deus. Isto é normal, pois; para ele, a prece
constitui a prova principal da realidade de Deus.
32 - Ich und Du,
Insel, 1923; trad. Franc. Aubier, 1938.
[1] - “Os iluminados, instintivamente, vão a
Platão. Adotam seu idealismo e misticismo. Suas hipóteses mais audaciosas
convêm muito às suas doutrinas: preexistência das almas e idéias, mundo dos
arquétipos, mito do andrógino. A eflorescência da teosofia, durante o
Renascimento, é um retorno ao platonismo. Ela é recuperada pelos iluminados no
Séc. XVIII, com as práticas da magia e teurgia, retomadas dos platônicos dos
primeiros séculos. Os iluminados encontraram, depois, um outro mestre em
Pascal. Seu jansenismo, seu fideismo, seu desprezo à razão, casam-se com a
intuição divinizante do Si. (...)" La Gnose contre Ia Foi, Étienne
Couvert, Ed. de Chiré, t. II de “De Ia Gnose à 1’Oecuménisme”, Chiré - en -
Montreuil, 1989, pp. 142 - 143. (n.d.t.).
[2] - Os números dos “Pensamentos” de Pascal correspondem à
edição da Ediouro, Col. Universidade de Bolso s.d., Rio, tendo sido aproveitada
a tradução de Sérgio Millíet em todas as citações, (n.d.t.).
3-0 editor do livro do Papa pôs, aqui, esta nota: “Teólogo e filosofo russo (1853 - 1900). Descobrindo com entusiasmo o positivismo
ocidental, e a exegese critica de Renan, ele se proclamou ateu e materialista.
Mas, no entanto, ele reencontrou a fé da sua infância e se consagrou à
filosofia como a um apostolado. Censurado pelo poder tzarista. foi até mesmo
proibido de ensinar. Teólogo do amor de Deus e da unidade da Igreja, foi
considerado como um profeta por numerosos intelectuais. Dostoievski fez dele
seu personagem Aliocha em Irmãos Karamazov.”
[10] - Bem entendido, além de Blondel há a influencia de Kant,
do qual voltaremos a falar mais adiante. Se falamos, aqui, de Blondel, é porque
este filosofo tentou batizar a filosofia da imanência. e foi, assim, o
iniciador da nova teologia.
[11] - Pode-se comparar essa maneira de alcançar
Deus com aquela descrita por S. Pio X na sua encíclica Pascendi. Eis como Joseph de Tonquédec a resume:
A ação e um certo sentimento interior tomam o
lugar da razão. Em lugar de buscar o divino e a religião, fora do homem, se os
descobrirão na sua vida imanente, e o primeiro indicio que se colocará sobre
seu rasto será um certo vazio interior, uma certa necessidade insatisfeita. A
vida, para se entender plenamente, postula a religião, mas não uma religião
qualquer, porém, a única verdadeira. É mais do que uma capacidade nua, mais do
que uma conveniência, é uma exigência estrita: “nem mais nem menos que o
necessário”. Aceito este fato, todo o esforço do apologista deve ser o de levar
o homem a reconhecer nele essa exigência e a fazer a experiência proposta do
sobrenatural. Aquele que se furta a essa experiência se torna, por isso mesmo,
incompetente para negar o sobrenatural; e, aquele que a faz, “encontra, na
própria experiência, razões para afirma-la”. Este ultimo, deseja a realidade
divina, ele crê.” (Tonquédec, Immanence, Paris,
Beauchesne, 1913, p. 293).
[14] - Vimos, no parágrafo precedente, que o Papa
admite que, além do conhecimento experimental sensitivo, há espaço para um
outro conhecimento empírico: “[Aquilo que está] além da experiência, isto é,
aquilo que ultrapassa o dominio empírico [sensitivo], [não] cessa, portanto, de
ser empírico [isto é, do dominio “da experiência humana, da experiência moral e
da experiência religiosa”]."
[21] ViSQfflGS 3QU1 3 QUBStaG
03 GX1SÍGGC13 dc tDGüS. MSS, 3 ClaTG CfUG 3 Í1GV3 3pGÍGCjétlC3 da lín3nGrtCt'3
ÍSfn, também, outros
inconvenientes: por exemplo, ela fará, muito dificilmente, a diferença entre
aquilo que é a ordem da natureza e o que é, propriamente, sobrenatural (como
distinguir entre o sentimento religioso natural de um pagão, e as consolações
de origem sobrenatural de um cristão?). Se verá, então, o sobrenatural por toda
parte, e se falará do Espírito Santo que trabalha nas outras religiões.
Note-se, ainda, que a apologética não desconhece
os sentimentos e as consolações que Deus dá, freqüentemente, para ajudar na
conversação, com certeza. São ajudas à conversão, mas permanecem inferiores,
quanto à força demonstrativa, aos motivos exteriores constatáveis objetivamente,
como a profecia ou o milagre.